Para entender a crise da China, por Luis Nassif

Após intervenção de órgão regulador, as ações dos bancos chineses subiram

O nó econômico da China consiste no seguinte.

O país depende fundamentalmente da construção civil para recuperar as taxas de crescimento. O setor imobiliário responde por até 30% da produção econômica da China e enfrenta crise desde o colapso da Evergrande, segunda maior incorporadora da China. Ela deixou um volume de passivos estimado em US $300 bilhões.

Recentemente, a S&P emitiu avisos sobre risco de inadimplência de empresas imobiliárias, com US $88 bilhões em vencimentos antes do final do ano. Se as vendas de imóveis não aumentarem substancialmente, diz a agência, até uma em cada cinco empresas avaliadas poderias quebrar.

O instrumento mais ostensivo de financiamento do setor são títulos de renda fixa emitidos por veículos de financiamento dos governos locais, os chamados LGFVs.  Os governos locais criaram as LGFVs para emitir dívidas através de bancos, já que não poderiam emprestar diretamente.

São títulos de médio prazo, títulos corporativos, papéis comerciais e títulos de emissão privada, os chamados WMP. Calcula-se que 40% do que é tratada como dívida corporativa são, na verdade, títulos emitidas por LGFVs. Outros 45% são emitidas por estatais. E há relutância dos investidores maiores em investir nesses papéis. Atualmente, os WMPs estão pagando 9,8% de juros ao ano, adequados a produtos de risco médio.

Em geral, as vendas se dão através de bancos ou de empresas fiduciárias. Uma das saídas dos estados é oferecer os WMPs para o varejo, uma espécie de Tesouro Direto chinês. Mas nos últimos anos Pequim aumentou a repressão contra os bancos paralelos, dificultando agora o escoamento dos investimentos. Por isso, o volume total de títulos para infraestrutura caiu quase pela metade em relação ao pico de 2017.

Um dos casos, relatados pelo Financial Times, foi a Limin Construction Development Group, um LGFV na cidade de Zoucheng em Shandong, que chegou a recorrer a plataformas de mídia social para conseguir arrecadar 200 milhões de yuans no varejo. Ofereceu juros de 8,6%, contra taxas de 4,16% dos bancos chineses para créditos comerciais.

Centenas de LGFVs de todo o país passaram, então, a recorrer às redes sociais, mostrando governos locais altamente endividados, não se sabendo onde essa tendência poderá terminar.

Leve-se em conta que a economia chinesa tem surpreendido há mais de 10 anos. O Estado chinês tem uma capacidade ímpar de intervir na economia para enfrentar os grandes problemas macro.

Os bancos chineses já estão sendo orientados para acudir empresas imobiliárias em dificuldades, ajudando a concluir projetos habitacionais inacabados. 

Alguns fundos estão conseguindo estender o prazo de seus títulos. A Guangzhou R&F Properties, por exemplo, conseguiu renegociar US $ 4,94 bilhões com vencimentos em 2024 para o período 2025-2028.

Nos últimos 12 meses houve extensão de prazos de cerca de US $ 27,8 bilhões. Mas outros US $ 73 bilhões vencem nos mercados no segundo semestre do ano.

A Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China (CBIRC) afastou o risco de aventuras e garantiu que “todas as dificuldades e problemas serão resolvidos adequadamente”. Após a intervenção do regulador, as ações dos bancos chineses subiram.

Contribuiu para a recuperação a informação de que a China acelerará a emissão de títulos especiais de governos locais para ajudar a complementar o capital de pequenos bancos, parte dos esforços para reduzir os riscos no setor.

Existem questões não resolvidas, de US $300 milhões em hipotecas de 100 projetos em 50 cidades, segundo os bancos; mas outras instituições estimam que a quantia poderá chegar a US $300 bilhões, o tamanho do rombo da Evergrande.

O problema foi agravado pelos bloqueios para enfrentamento do Covid. Quarenta e uma cidades estão sob bloqueio total ou parcial, em um total de 264 milhões de pessoas, em regiões que cobrem 18,7% da atividade econômica nacional.

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. Se o ocidente tivesse noção do que seria administrar um país com um bilhão e quatrocentos milhões de pessoas, não daria um pio sobre as políticas da China e ainda aprenderiam do seu exemplo.
    Ler que “quarenta e uma cidades estão sob bloqueio total ou parcial, em um total de 264 milhões de pessoas, em regiões que cobrem 18,7% da atividade econômica nacional.” da-nos a dimensão da nossa pequenez. Quarenta cidades da China já cobrem o total da nossa população neste país tão porcamente administrado.

  2. Não entendi. O mercado bancário chinês é, até onde sei, basicamente controlado por bancos estatais. Não parece haver problemas de liquidez nesse sistema, exceto pelas dívidas do setor imobiliário, e essas podem, com o apoio estatal, serem renegociadas, alongando prazos e postergando vencimentos, com o Estado, através de seus bancos, arcando com o custo disso. O Estado chinês não vai permitir que ocorra uma falência generalizada dos bancos a partir da inadimplência do setor imobiliário, obviamente vai intervir para garantir o funcionamento do sistema. Então onde está a crise? Parece ser a mesma lenga-lenga dos últimos quinze anos (pelo menos), quando começaram a estourar as bolhas nos EUA, arrastando o Ocidente. A conversa era sempre a mesma: a China vai explodir, vai acabar, vai crescer zero, blá blá blá, e nesse período o país triplicou o PIB. Os olhos do mundo têm estado procurando os pelos nos ovos chineses todos esses anos, e não olham para a deterioração das economias ocidentais. E agora a farra do financeirismo, da criação contínua de moeda sem correspondente criação de valor econômico está levando os EUA a uma inflação cada dia mais alta (e arrastando o Ocidente junto), quem sabe até a um surto hiperinflacionário. Será mesmo que é a bolha chinesa que está para estourar?

  3. Tchô ver se entendi: A S&P e o Financial times estão vendo os USA e seus bancos gerarem crédito sem lastro a meio século e estão avisando que o mercado imobiliário chinês vai ficar inadimplente? eLES TEM ESPELHO EM CASA?

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